
Já ouviu falar de financiamento
coletivo? São projetos divulgados em sites específicos em busca de
investimentos. Qualquer um pode contribuir, no melhor estilo vaquinha. O mundo
da arte já se beneficia do conceito. No Brasil, centenas de livros, CDs, peças
de teatro e ações dos mais variados tipos saíram do plano das ideias e viraram
realidade graças a essa nova modalidade de captação de recursos.
O mundo esportivo também está
entrando na onda e o crowd funding (a expressão em inglês que é mais
usada para definir o modelo) já virou uma alternativa concreta para quem busca
dinheiro e está encontrando dificuldades para encontrar patrocinadores. O
conceito do financiamento coletivo, porém, ainda encontra dificuldades por
aqui.
Nos próximos dias, dois
projetos vão fechar suas tentativas de financiamento e exemplificam lados
positivos e negativos da iniciativa. A “Travessia do Atlântico”, do velejador
Beto Pandiani, arrecadou 83% dos R$ 150 mil que buscava e deve completar o
valor até a data limite, dia 10. Já o “Força para a Força”, da bicampeão
mundial de powerlifting (modalidade de levantamento de peso)
Marília Coutinho, conseguiu 33% dos R$ 13.400 propostos e a responsável
pretende cobrir, por conta própria, a soma restante até o dia 15, quando a
iniciativa termina.
A iniciativa de buscar
parceiros via financiamento coletivo para a “Travessia do Atlântico” foi uma
meta ousada de Pandiani. Veterano de seis aventuras do gênero, ele conta com
patrocínio de grandes empresas, que bancaram a maior parte da viagem. Ele, no
entanto, separou uma das cotas de patrocínio para o empreendimento. O valor, R$
150 mil, era alto para iniciativas do tipo. Mesmo assim, está muito perto da
meta: usando o site O Pote (confira o projeto aqui: http://opote.com.br/novo/Projeto/Detalhes/14), ele
arrecadou R$ 124.158,63 até segunda-feira – faltam R$ 25.841,37 a ser
arrecadados até o dia 10 de fevereiro.
“Minha cota de apoio é de R$
195 mil. Tirei os impostos, o valor ficou em R$ 160 mil. Pensei em colocar R$
100 mil como meta, mas no final, coloquei R$ 150 mil. E está emocionante
acompanhar o desenvolvimento do projeto”, conta Pandiani. “Eu fiquei muito
surpreso com a resposta. Quando comecei, achei que a maioria dos doadores
ficaria na faixa dos R$ 50 e R$ 100. Mas já são 280 pessoas que doaram em média
R$ 500. É um valor muito alto”, completa.
Além da ajuda financeira,
Pandiani comemora a repercussão que essas pessoas podem gerar ao projeto. “Quem
contribuiu é multiplicador da minha história. Quem contribuiu para a travessia
vai estar mais interessado em ler sobre o que está acontecendo e vai
compartilhar mais. Eu não tenho doadores, mas embaixadores do projeto, que vão
usar sua rede de relacionamentos para aumentar ainda mais o alcance da
travessia. E esse valor é maior até do que até a própria colaboração
financeira. O sucesso da viagem depende da divulgação, da penetração. O
patrocinador tem a percepção de que o investimento foi bom quando, em uma
conversa com amigos, ouve sobre o projeto em que ele apostou. E aposto que, com
a força das mídias sociais e esses embaixadores, esse impacto pode aumentar
bastante”, afirma o velejador.
A “Travessia do Atlântico”
começa no dia 10 de março. A viagem será feita em um catamarã (barco com dois
cascos) sem cabine, entre a Cidade do Cabo, na África do Sul, e Ilhabela, no
litoral de São Paulo, e deve durar 30 dias. O processo de preparação, aliás,
ajudou na captação de recursos: Pandiani divulgou toda a construção do barco,
na Alemanha, nas redes sociais, lembrando, nos últimos meses, do processo de
financiamento coletivo. “Eu tenho muito conteúdo das viagens anteriores. Além
disso, fiz quase uma fotonovela da construção do Picolé [o nome do catamarã]. O
que eu faço é oferecer histórias, filmes, reflexões, além do crowd funding,
para não ficar árido e reter a atenção das pessoas”.
O caso de Marília Coutinho e do
“Força para a Força” é o exemplo negativo do financiamento coletivo. Bicampeã
mundial de powerlifting, uma vertente
não-olímpica do levantamento de peso, ela montou um projeto muito mais modesto
do que o de Pandiani. Seu objetivo era arrecadar R$ 13.400,00 para que ela e o
vice-campeão mundial Diego Figueroa participassem do NAPR/RPS International
Open, um dos campeonatos mais importantes da modalidade, nos EUA, no dia 1 de
março.
A tentativa de financiamento
coletivo foi feita pelo site Catarse (mais informações aqui:http://catarse.me/pt/forca_para_forca) e
termina no dia 15 de fevereiro. Até agora, a arrecadação foi baixa, com apenas
33% (R$ 4.400), e teve efeitos graves na preparação da dupla para o torneio.
Diego não deve viajar.
Marília vai bancar sua viagem
com recursos próprios, mas admitiu que sua rotina de treinos foi prejudicada
pela baixa adesão e o trabalho que a tentativa de mobilização acabou gerando.
“Eu achava que ia ter atingido o valor esperado há duas semanas. No começo,
entrei em crise, sentei e chorei. Depois, me dei conta de como as relações podem
ser perversas no esporte”, admite a atleta, que também é acadêmica: tem ph.D em
biologia e vários livros publicados, incluindo sobre treinamento esportivo.
A origem da mágoa de Marília é
a baixa adesão dos companheiros da modalidade ao seu projeto. “No esporte e no
campo do treinamento impera um primitivo senso de concorrência intuitiva, sem
estratégia e ligeiramente burra: ‘melhor que o outro se dane’. Não existe
solidariedade. Quando você está no topo, é admirado. Quando percebem que você
está pedindo alguma coisa, pisam em cima”, analisa Marília.
Pontos positivos e negativos
Apesar da diferença entre os
dois processos, as vantagens que ambos ofereceram aos seus apoiadores foram bem
parecidas. Em seu projeto, Pandiani ofereceu livros de suas aventuras anteriores,
fotos em alta resolução, passeios no mesmo barco que fará a travessia do
Atlântico e até palestras, dependendo do tamanho da contribuição.
“Arrecadar dinheiro em crowd
funding é delicado.
Você tem de ser muito cauteloso para não ser entendido como pedinte. Estudei
muito antes de montar o projeto e preparei contrapartidas interessantes para os
parceiros. Além dos livros e dos passeios, quatro empresas compraram as
palestras. Se tivesse mais tempo, teria colocado ainda mais atrativos,
preparado camisetas, bonés”, fala Pandiani.
Marília ofereceu edições
eletrônicas de seus livros (e-books), espaço de patrocinadores, divulgação em
mídias sociais e programas de treinamento personalizados. “Eu sempre
enfatizei que o que nós estamos propondo é uma troca. Não estamos pedindo
dinheiro. Quem contribuir para o projeto recebe em troca um produto de valor
alto. Coisas que todos me pedem, diariamente. Tenho certeza que, se tivesse
feito o projeto para viabilizar um dos livros, a aceitação seria muito melhor.
No Brasil, a cultura é mais valorizada do que o esporte, mesmo sabendo que os
dois são formas de educação”, lamenta a atleta.
As críticas também são
parecidas. Uma delas tem origem na essência do financiamento coletivo: o
conceito do “tudo ou nada”. O autor do projeto só recebe o dinheiro se atingir
a meta de arrecadação, para garantir que sua realização. “Isso torna todo o
processo desesperador. É um conceito limitado demais. Além disso, o tempo de
financiamento é curto”, fala Diego. “Para as artes, acho que funciona. O
artista pode esperar o financiamento do projeto para saber se pode começar a
trabalhar. Com o atleta, isso não é possível. Ele precisa manter o treinamento.
O ideal era ter uma modalidade específica que não estivesse ligada ao valor
integral”, completa Marília.
Além disso, o processo de
pagamento ainda é complicado. “Ainda estamos longe do ideal nessa área de
pagamento virtual. No meu caso, todos os pagamentos passavam por um processo
muito rígido. O que aconteceu várias vezes foram pessoas tentando apoiar com um
valor alto e o site não aprovava. Era preciso logar, confirmar o valor e
confirmar a identidade da pessoa. Isso acaba assustando alguns interessados.
Tem gente que desiste com tantas barreiras”, conta Pandiani.
Os dois exemplos mostram que o
esporte ainda está buscando modelos para usar o financiamento coletivo.
Inclusive o futebol. O esporte mais popular do Brasil já viu iniciativas darem
certo e errado. Fluminense e Coritiba se beneficiaram. O clube carioca
conseguiu mais de R$ 200 mil para a edição de um livro comemorativo de seus 110
anos. Já os paranaenses, por meio de sua torcida, arrecadaram mais de R$ 70 mil
para comprar equipamentos para o “Green Hell” eletrônico, um show de luzes e
fumaças que substituiu a festa com sinalizadores que marcava a entrada dos
jogadores em seu estádio. O Palmeiras, por sua vez, tentou uma iniciativa mais
ousada: ao contratar o meio-campista Wesley, buscou recursos de sua torcida. Pediu
R$ 21 milhões e ficou bem longe da meta.
Para Rodrigo Maia, sócio do
Catarse, o principal site de financiamento coletivo do país, esses casos
mostram como o esporte pode se orientar para ter sucesso. “Creio que o
financiamento colaborativo funcione para modalidades que enfrentam problemas de
patrocínio. Acima de tudo, o crowd funding é um mecanismo que valoriza a
narrativa. E a narrativa de um atleta que enfrenta dificuldades e, mesmo assim,
continua a treinar é, por si só, rica. Tem o elemento paixão no meio e isso em
geral conquista as pessoas. Não sei se seria tão eficiente para modalidades já
estabelecidas, que já tem uma circulação de recursos mais abundante”, analisa.
“No futebol, não acredito muito na compra de jogadores por crowd
funding, como no caso do Palmeiras. Mas acho que iniciativas como a
do Fluminense têm boas chances”, completa.
Fonte: http://esporte.uol.com.br/ultimas-noticias/2013/02/05/financiamento-coletivo-vira-alternativa-para-patrocinio-mas-esporte-ainda-sofre-com-o-conceito.htm
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